
Tudo tem o seu momento certo. Há momentos em que devemos brincar, em outros devemos brigar. Em outros devemos sorrir, e em alguns devemos emburrar. Já se passou o tempo das broncas mais feias, embora algumas delas hora ou outra voltem, e a hora é de maturidade com o instrumento que carregamos, a música.
Desde o início do ano, foram-se muitos momentos bonitos, muitos momentos importantes. Formamos as alas, alguns amigos não continuaram na banda, outros entraram quase que de surpresa; outros saíram ainda perto do desfile de independência. Já colocamos veteranos e novatos numa disputa, separamos a fanfarra em três blocos diferentes para competirem; foram pressionados a errar através de bombardeios emocionais e elogiados por cada show nas apresentações e em cada ensaio bem realizado.
Hoje, não tinha nada muito preparado, a não ser passar o que faltava de Black or White, que para minha infeliz surpresa não tem agradado a algumas pessoas que acreditam que a música está chata ou não se parece nada com a original, embora eu ache melhor que Lirirrixa. Mas na minha cabeça estava a forte imagem de um insight que tive numa aula do 2º ano, quando assistíamos à Minha Amada Imortal, filme biografia de Ludwig Van Beethoven. Eu adoro música, sou apaixonado por um estilo em específico, a música clássica, erudita. E ali percebi numa cena em que se discutia a qualidade de um pianista que alguns músicos da fanfarra tocavam da mesma forma, preciso mas tudo em staccato; ou seja, as notas certas, mas sem vida, sem a chama pulsante que só a música é capaz de criar. E isso acontece quando se toca de forma burocrática, sem preparar o ouvido para bem entender a música ou deixar aberto o coração para filtrar o que há de melhor nela e consertar aquilo que está escapando do belo. Uma fanfarra que emociona o público é a que faz vibrar os espectadores não apenas pela escolha do repertório mas pela forma com que as músicas são conduzidas. É o brilho no olhar de cada músico, a satisfação de tocar, o entusiasmo na postura, coreografia e na emoção contagiante do sorriso que fazem com que a música executada tenha um brilho diferente. Porque música não são apenas notas combinadas, música é a sensação de que o espírito se torna mais ameno ou revolto, música é mexer com as sensações, é brincar com os sentidos, é criar uma revolução dentro de alguém. E isso só se pode ser conseguido se o músico também tiver a música dentro da essência do seu ser. É tocar uma marcha com a precisão de um relógio, mas a emoção de quem marcha para uma triunfante vitória. É tocar um Hip Hop com certo molejo e graça que só os artistas de rua têm. É fazer do Baião um ritmo verdadeiramente nordestino e dançante. É criar movimentos e brincar com os aparelhos de baliza como o bailarino ou o artista circense que corta os ares num gesto rápido. É tocar Rock feliz da vida como se não houvesse nada mais para se preocupar. Tudo isso deve existir quando se toca. Quando fazemos parte de um grupo musical, devemos ser apenas um, e o momento deve ser apenas esse. Somente a emoção da música deve existir entre o olhar atento dos músicos que esperam uma aceno e o instante final em que os instrumentos descansam e os aplausos surgem.
Por isso, hoje tocamos somente com as palmas das mãos, para viver um momento de descontração e para entender em essência as nossas músicas. Por isso tocamos com os instrumentos trocados. Para que pudéssemos dar valor no trabalho de cada companheiro de outras alas e ver como é duro o trabalho deles. Parece fácil, às vezes, mas só quem toca sabe quanta técnica existe ali, quanta dedicação foi empregada. Talvez alguns músicos nunca mais esqueçam a dura tarefa que os colegas têm de seguir com eles em harmonia as músicas que tocamos. Foi de olhos fechados que provamos que a música deve passar por muitos sentidos, mas deve sempre residir no coração. É isso que alguns colegas que tocaram ano passado e agora só poderão ser espectadores vão sentir quando os virem tocar no desfile, mas multiplique por dez essa emoção. Pois pode ter certeza que cada um deles vai ser tomado pela nostalgia e vai ter desejado estar lá, no lugar que vocês ocupam, pelo menos mais uma vez.

Que nos ensaios que nos faltam o prazer de tocar e a inspiração da vida celebrando a amizade possam conduzir-nos pelo sucesso; o sucesso de sermos a fanfarra mais bonita da cidade.
Um abraço a todos e boa música.